quarta-feira, setembro 07, 2005


Pátria Minha

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria.

Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria direi: Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha,
Eu que não tenho Pátria,
Eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho,
Eu que permaneço em contato com a dor do tempo,
Eu elemento de ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido de flor;
Tenho-te como um amor morrido a quem se jurou;
Tenho-te como uma fé sem dogma;
Tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito

Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha,
Lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha,
E para rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta lábaro não;
A minha pátria é desolação de caminhos,
A minha pátria é terra sedenta e praia branca;
A minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra e urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...

Que vontade de adormecer-me entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:"Pátria minha, saudades de quem te ama..."

Texto extraído do livro "Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa"

Não é a primeira vez que posto este texto, mas hoje, 7 de Setembro, sem tempo de escrever achei que este texto cabia. Cabia nos meus sentimentos, cabia na ocasião...e o que há de mais brasileiro que Vinicius de Moraes?

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