segunda-feira, novembro 07, 2005

Quando estava pra me mudar pra cá, minha mãe abriu o cofre lá de casa, pegou todas as suas joias que tinha lá dentro, despejou tudo na cama, e dividiu-as entre eu e minha irmã. "Este é seu, esta é dela, este é seu, este é dela.."
Eu que nunca fui muito de usar jóias, talvêz por causa do hábito, já que no Brasil faz tempo que os ladrões nos privaram disto, fiquei olhando para aquele montinho de ouro e pedras preciosas, sem saber o que fazer com ele. Fiquei com pena que ela estivesse se livrando assim das suas jóias, como se não mais fosse precisar delas.
"Vixe, mainha, guarde as suas jóias de volta no cofre. Por que está nos dando elas todas, assim, de uma vez? Parece que tá agorando!" - Eu disse.
" Porque se eu morrer primeiro que o seu pai, e ele se casar novamente, não quero que entregue a outra mulher, as coisas que deveriam pertencer as minhas filhas!" - Foi a resposta dela. Que aliás, não me veio como uma surpresa. Muitas vezes ouvi minha mãe falar isso.

Mas, por favor, não vá julgando rapidamente. Minha mãe até que tem motivos para pensar assim. Quando a minha avó morreu (a mãe dela), meu avô casou-se novamente com uma mulher que era mais nova que a minha mãe. Levou esta mulher para dentro de casa, a casa que foi da minha avó, aonde minha mãe nasceu e foi criada juntamente com os irmãos dela. Deu a esposa nova os pertences da minha avó, as louças, os móveis, tudo.. E quando morreu, deixou para ela em testamento metade da sua parte da herança da casa, deixando os 4 filhos para dividir tudo entre eles e a madrasta. Somente então foi que minha mãe (a única filha mulher) foi ver de volta algumas das coisas mais valiosas deixadas pela minha avó, pois a madrasta teve o bom senso de devolver, como o belíssimo conjunto de louça do casamento da minha avó, datado do começo do século passado, importado da velha Tchecoslováquia.

Minha mãe sempre diz que os homens entregam aos outros os tesouros de família. Eu vou concordar com ela nessa. As filhas são criadas para a família, os filhos são criados para a família da sua futura esposa, namorada.. As filhas pertecem a gente, os filhos, somente até uma certa idade.

Minha outra avó, morreu deixando pra trás uma casa enorme de grande na cidade, as terras da fazenda, e o casarão da fazenda. Tudo dividido entre os filhos, e resgistrado em cartório muitos anos antes. Quando se tem muitos filhos, esta é a coisa mais certa que se deve fazer. Para evitar confusões. O que não ficou dividido por lei porém, foram os seus móveis. Não estou aqui falando em móveis qualquer. Estou falando em móveis antigos, do começo do século passado, quando ela se casou com o meu avô. Mas muito mais do que isso, de enorme valor afetivo, relíquias de família.
Quando minha avó morreu, eram 3 as suas filhas vivas, minhas três tias. Mas acontece que na época, moravam todas na Capital. E lá no interior da minha avó, quem morava com ela era um dos filhos, juntamente com a mulher e os filhos pequenos. Tiveram uma idéia de jerico, de vender os móveis da minha avó, por coisas mais modernas. Móveis modernos que não combinavam com a casa, que não valiam nem metade dos móveis da minha avó, que não chegavam nem aos pés deles. Cometeram o enorme pecado de não perguntar a nenhuma das filhas da minha avó, se elas queriam alguns daqueles móveis, e se livraram deles sem dó nem piedade. Por que? Porque quem lá morava não era uma filha da minha avó, mas um filho. E homem "não liga pra essas coisas". Porque a esposa dele não era filha da minha avó, não tinha elo afetivo com as coisas da minha avó, como ela teria com coisas de sua própria mãe. Ela pecou por não ter respeitado este sentimento. Como mulher e filha de alguém, deveria saber que uma filha da minha avó muito provavelmente iria gostar de ter pelo menos um dos móveis que pertenceram a mãe, ou as suas louças, ou coisa assim..
Alguns meses mais tarde, está minha tia a passear pela cidade, entra numa boutiquezinha do lugar, e se depara com a antiga cristaleira da minha avó, lá estrategicamente colocada no meio da loja, com bugingangas expostas nas suas prateleiras. A peça mais bonita, mais imponente, mais extravagante, de propósito, daquela loja. A cristaleira da minha avó! E doeu na minha tia, porque só uma filha é acometida deste tipo de sentimento. E ela vive a repetir até hoje, que se soubesse que estavam se livrando da cristaleira de sua mãe, a teria comprado. Agora, ela pertence a uma estranha qualquer, que deve até ter pago o valor financeiro que a cristaleira merecia, mas nunca saberá o seu valor afetivo! Porque só uma filha sabe!

É claro, que nem todos os homens são assim, existem as exceções, e assim sendo, se você é parte desta exceção, então perdão, este texto não diz respeito à você. Mas na sua maioria, homens entregam sim, os tesouros de família. Fazem isto inocentemente, porque as filhas são criadas para nós, os filhos para os outros.

Como mãe de menino, não é nada fácil aceitar isso. As filhas crescem, casam, tem filhos. Em culturas diferentes, a estória é a mesma. Nos Estados Unidos, presentes na sala de parto, se alguém mais que o marido, este alguém é sua mãe. A sogra, a mãe do filho, jamais. Nas festinhas de formatura de Segundo Grau, os famosos Proms, o menino aparece sozinho pra buscar a namoradinha na porta de sua casa, munido apenas de uma limosine. Para participar deste momento, apenas a família da menina, munida de filmadoras, máquinas fotográficas. A do menino, nem pensar, pois não pega bem pra ele ser acompanhado por tal possi.
E assim por diante...

Como mãe de um menino, eu tenho muito para ensiná-lo. Ele vai crescer, e casar, e pertencer à sua esposa. Mas cabe à mim pelo menos ensiná-lo o valor emocional dos tesouros de família.

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